Fumaça branca na empresa? entenda a importância da cultura organizacional na sucessão

PSICOLOGIA ORGANIZACIONAL

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PONTOS-CHAVE

  • A sucessão de liderança, um desafio crítico nas empresas, encontra paralelos em processos históricos como o conclave papal, oferecendo lições valiosas.

  • Edgar Schein, referência na psicologia organizacional, demonstra que a cultura (artefatos, valores, pressupostos) é o fator decisivo em transições de comando bem-sucedidas.

  • Compreender e gerenciar ativamente a cultura organizacional nos seus três níveis é essencial antes, durante e após a escolha de um novo líder.

  • Lições adaptadas do conclave para empresas: preparar o terreno cultural, valorizar o tempo e a reflexão na decisão, buscar alinhamento cultural (não só inovação) e permitir a evolução da cultura com o novo líder.

  • Um planejamento de sucessão eficaz, guiado pela psicologia organizacional, deve mergulhar na cultura invisível para equilibrar continuidade e renovação.

Do Vaticano ao escritório: quando a troca de bastão exige mais que um nome

A imagem da fumaça branca subindo pela chaminé da Capela Sistina é icônica. O conclave, esse ritual centenário para escolher um novo papa, captura a imaginação global não só pelo seu mistério, mas por ser um dos mais antigos e estruturados exemplos de planejamento de sucessão de liderança. Embora o contexto religioso pareça distante do mundo corporativo, os dilemas enfrentados pelos cardeais – como equilibrar tradição e mudança, gerir expectativas diversas e selecionar um líder capaz de unir e inspirar – são espantosamente similares aos desafios de qualquer organização ao passar o comando.

A psicologia organizacional, disciplina focada em decifrar o comportamento humano no ambiente de trabalho, dedica atenção especial aos processos de sucessão. A saída de um CEO carismático, a aposentadoria de um fundador ou a simples promoção de um novo gerente são momentos delicados, propensos a gerar ansiedade, conflitos internos e resistência. O sucesso dessas transições, como argumenta Edgar Schein, um dos pilares do estudo da cultura organizacional, depende menos de protocolos formais e muito mais da capacidade de compreender e gerir a cultura organizacional. Schein nos mostra que toda empresa possui uma "alma" invisível – um conjunto de crenças, valores e pressupostos básicos compartilhados – que molda profundamente o comportamento e precisa ser o foco em momentos de mudança.

Nessa perspectiva, o conclave torna-se um estudo de caso fascinante sobre a tensão inerente a qualquer sucessão: preservar um legado cultural e, ao mesmo tempo, adaptar-se a um mundo em transformação. A escolha papal é um ato organizacional complexo onde cultura, poder e visão de futuro se entrelaçam. Este artigo, o primeiro de uma série que analisa o conclave sob a ótica da psicologia, explora a importância da cultura organizacional na sucessão, extraindo lições práticas para tornar as transições de liderança mais conscientes e eficazes em qualquer empresa.

A alma da organização: desvendando a cultura com Edgar Schein

Para captar a real importância da cultura organizacional na sucessão, é crucial revisitar o modelo clássico de Edgar Schein. Ele compara a cultura a um iceberg: apenas uma pequena fração é visível, enquanto a parte maior e mais influente permanece submersa, moldando tudo o que acontece na superfície.

  1. Nível 1: Artefatos visíveis: A ponta do iceberg. É o que podemos ver, ouvir e sentir na organização: o layout do escritório, a decoração, o jargão interno, as histórias contadas, a tecnologia usada, o código de vestimenta, os rituais (reuniões, celebrações), as estruturas formais. No conclave, os artefatos são óbvios e simbólicos: as vestes, a Capela Sistina, o juramento, a fumaça, o anúncio "Habemus Papam". Nas empresas, podem ser escritórios abertos, quadros de missão na parede, happy hours. Embora fáceis de notar, seu significado só é revelado ao se entender os níveis mais profundos.

  2. Nível 2: Valores declarados: Logo abaixo da superfície, encontramos os valores, normas e filosofias que a organização afirma seguir. São as estratégias, metas e justificativas oficiais para o comportamento. Expressos em missões, visões, valores formais, códigos de conduta ou discursos da liderança. No conclave, seriam a busca pela orientação divina, a unidade da Igreja, a continuidade apostólica. Nas empresas, "inovação", "foco no cliente", "integridade". Schein alerta: pode haver uma grande distância entre o que se diz e o que realmente se faz, influenciado pelo nível seguinte.

  3. Nível 3: Pressupostos básicos inconscientes: O coração da cultura, o nível mais profundo, poderoso e geralmente invisível até para os membros da organização. São as crenças, percepções e sentimentos tidos como certos sobre a natureza da realidade, do tempo, do espaço, do ser humano e das relações. São aprendidos coletivamente ao longo do tempo, resolvendo problemas de adaptação externa e integração interna. Exemplos: "o conflito é sempre ruim", "as pessoas só trabalham sob pressão", "errar é inaceitável", "a única forma de sobreviver é mudar tudo o tempo todo". No conclave, podem ser crenças na ação do Espírito Santo, na importância da hierarquia, no papel da Igreja. Esses pressupostos são a verdadeira força motriz do comportamento e são extremamente resistentes à mudança.

Schein defende que qualquer mudança significativa, especialmente a sucessão de um líder, precisa considerar esses três níveis. Focar apenas em mudar artefatos (como pintar as paredes) sem entender os pressupostos básicos é uma receita para o fracasso da transição.

A sucessão pela lente cultural: armadilhas comuns

Quando um líder central sai, a cultura organizacional entra em estado de alerta. O sucessor, vindo de dentro ou de fora, carrega seus próprios pressupostos e valores, que podem colidir ou se harmonizar com a cultura existente. O sucesso da transição depende dessa dinâmica:

  • Rejeição cultural: Um novo líder que impõe mudanças que ferem os pressupostos básicos da organização provavelmente enfrentará resistência, boicotes e desmotivação. A cultura age como um sistema imunológico.

  • Vácuo de identidade: Se o líder anterior era um forte símbolo cultural, sua saída pode gerar desorientação e ansiedade. O sucessor precisa oferecer um novo norte que respeite a história da empresa.

  • Guerra de subculturas: Organizações maiores raramente têm uma cultura única. Departamentos diferentes podem ter suas próprias subculturas. A sucessão pode acirrar conflitos se o novo líder parecer favorecer um grupo.

  • Mudança cosmética: Focar apenas em mudar artefatos (novos slogans, escritórios modernos) sem tocar nos valores praticados e nos pressupostos básicos resulta em mudanças superficiais e insustentáveis.

  • O eterno dilema, continuidade vs. ruptura: O maior desafio é achar o equilíbrio: preservar o que torna a cultura forte e única, mas introduzir as mudanças necessárias para o futuro. Excesso de continuidade leva à estagnação; excesso de ruptura destrói a coesão.

O conclave, com sua estrutura rígida, tenta minimizar esses riscos ao garantir que os eleitores compartilhem os pressupostos básicos e ao criar um ambiente que reforça a cultura durante a decisão. Mesmo assim, a escolha final sempre reflete uma negociação complexa sobre o futuro da cultura institucional.

Lições do conclave para um planejamento de sucessão culturalmente astuto

Embora único, o conclave, visto pela ótica da psicologia organizacional de Schein, oferece insights práticos para qualquer empresa em transição de liderança:

  1. Diagnostique a cultura antes de pensar em nomes: O conclave "funciona" porque a cultura da Igreja é intensamente cultivada. Empresas precisam fazer o mesmo. Antes da sucessão, invista tempo em mapear a cultura nos três níveis de Schein. Quais são os artefatos chave? Quais valores são realmente vividos? Quais pressupostos básicos guiam as decisões? Promova conversas francas sobre a cultura atual e a desejada. Isso cria um terreno fértil para a chegada do novo líder. Um planejamento de sucessão eficaz começa com autoconhecimento cultural.

  2. Crie "conclaves" internos: valorize o tempo e a reflexão: O isolamento e o ritmo do conclave contrastam com a pressa corporativa. Decisões de sucessão apressadas ignoram o impacto cultural. Reserve tempo e crie espaços seguros (reuniões estratégicas, workshops) para que os decisores reflitam sobre o perfil de liderança necessário, considerando não só competências, mas principalmente o fit cultural e a capacidade de gerir a cultura existente. O silêncio e a análise profunda são essenciais para acessar os níveis mais profundos da cultura.

  3. Busque alinhamento cultural profundo, não só verniz de inovação: Trazer um líder "disruptivo" de fora pode ser tentador, mas é arriscado sem um mínimo de alinhamento com a essência cultural. Papas como Francisco promoveram mudanças, mas a partir de um profundo respeito pela estrutura e missão. Avalie candidatos pela capacidade de ler, respeitar e evoluir a cultura. Pergunte: Ele(a) consegue entender nossos pressupostos? Constrói pontes com a equipe? Sua visão dialoga com nosso legado?

  4. Permita a evolução, não a clonagem: A sucessão é uma chance de ouro para a cultura evoluir. O novo líder não deve ser uma cópia. Precisa de espaço para trazer sua perspectiva e marca, reinterpretando a cultura à luz de novos desafios. O papel da organização é apoiar essa evolução, garantindo respeito à história e coragem para o futuro. Incentive o novo líder a questionar artefatos e valores que não servem mais, mas sempre com sensibilidade aos pressupostos básicos que precisam ser honrados ou cuidadosamente renegociados.

Sucessão com alma: tecendo o futuro, honrando o passado

A transição de liderança é um momento crucial, de vulnerabilidade e potencial. Como a psicologia organizacional e Edgar Schein nos mostram, a cultura é o palco onde esse processo acontece. Ignorá-la é arriscado; compreendê-la e gerenciá-la ativamente é a chave para uma sucessão que fortalece a organização.

O conclave, com seus rituais, nos lembra que a sucessão eficaz transcende a técnica de seleção; é um ato cultural profundo. Exige clareza sobre a identidade e os valores fundamentais, tempo para discernimento e a busca constante pelo equilíbrio entre legado e futuro. Ao aplicar essas lições, adaptadas à sua realidade, sua empresa não estará apenas escolhendo um líder, mas cultivando sua própria cultura, preparando o terreno para que a próxima liderança floresça e leve a organização adiante com propósito.

(Este é o primeiro artigo da série "O Conclave pela Lente da Psicologia". Acompanhe os próximos artigos que abordarão o tema sob as óticas da Psicologia Social, Cognitiva e Cultural).

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